Procriação medicamente assistida (PMA) e possíveis riscos para a saúde do descendente
Introdução
A infertilidade define-se como a incapacidade de obter uma gravidez após, pelo menos, 12 meses de relações sexuais regulares e desprotegidas.
A procriação medicamente assistida (PMA) define-se como o conjunto de intervenções que manuseiam células sexuais humanas (espermatozoides e óvulos) ou embriões (estágio inicial do desenvolvimento de um bebé) com a finalidade da reprodução, incluindo a estimulação ovárica, a inseminação intrauterina (IIU), a fertilização in vitro (FIV), a injeção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI), a transferência embrionária a fresco ou congelado (TEC), entre outros.
A infertilidade é um problema médico com uma taxa e um impacto significativo na sociedade atual. Nos países desenvolvidos, 1 a 7% das crianças nasce por reprodução assistida.
Sinais e sintomas
O crescente recurso a técnicas de reprodução assistida, mundialmente, e os seus potenciais efeitos a curto e longo prazo têm suscitado preocupação nas comunidades médica e científica.
Historicamente, assumiu-se que as complicações associadas à PMA seriam, maioritariamente, resultado do maior número de gravidezes múltiplas (de 2 ou mais bebés), que diminuíram drasticamente com a prática crescente de transferência de um único embrião. Contudo, estudos mais recentes têm demonstrado alguma controvérsia sobre o risco de complicações a curto e longo prazo com consequências na descendência, mesmo em gravidezes de um único bebé.
O papel da placenta, da genética e epigenética (alterações dos genes que não afetam o ADN, ou seja, a nossa informação genética) e da doação de espermatozóides e óvulos tem sido investigado. Os estudos nesta área ainda são limitados e está longe de se compreender toda a extrema complexidade deste quadro.
1.- Alterações genéticas
Os estudos ajustados para a idade materna não relataram uma maior prevalência de anomalias dos cromossomas (estruturas que contêm a informação genética) em crianças descendentes de PMA em comparação com gravidezes espontâneas, embora a evidência seja reduzida.
No entanto, existe a possibilidade de que espermatozóides de homens inférteis possam aumentar este risco, uma vez que estes indivíduos são mais propensos a estas anomalias que podem contribuir para a sua infertilidade e podem ser transmitidas aos seus filhos.
Além disso, o próprio procedimento de ICSI, muito utilizado nos casos de infertilidade masculina, pode estar associado a estas anomalias.
Estudos recentes indicam um aumento das síndromes de Beckwith-Wiedemann, Angelman, Prader-Willi e Silver-Russell. Contudo, pelo número absoluto muito baixo, são difíceis de detectar e de determinar se se devem ao procedimento de PMA, à própria infertilidade, ou a uma combinação de fatores.
2.- Anomalias congénitas
O risco absoluto de ter um filho com uma anomalia congénita (ou seja, adquirida durante a gravidez) é baixo, sendo que o risco geral da população de 2-4% pode ser aumentado em aproximadamente um terço após PMA (3-5%).
Os defeitos mais comuns são defeitos do coração e dos vasos sanguíneos, do sistema motor (músculos e ossos), do sistema urinário ou sexual, do sistema nervoso central (cérebro e medula espinhal) e fenda do lábio e/ou do palato.
A justificação pode passar pela idade da mãe/dadora de ovócitos, a causa e a duração da infertilidade, a exposição ambiental, os comportamentos/consumos de risco e a técnica de reprodução utilizada. As técnicas em laboratório e as terapêuticas de estimulação ovárica também podem causar defeitos, ao criar um ambiente artificial para o bebé dentro do útero.
Portanto, a PMA em si não parece estar associada a um maior risco de desenvolver defeitos congénitos, estando estes mais relacionados com fatores genéticos, epigenéticos e ambientais.
Os testes pré-implantatórios, embora não sejam prejudiciais, só devem ser utilizados por pais portadores de doenças genéticas, de modo a limitar o risco da transmissão.
3.- Parto prematuro
O parto pré-termo é mais provável em gestações pós-PMA em comparação com uma gravidez natural.
Este aumento pode dever-se a muitos fatores, como são exemplo as alterações da localização ou do estado da placenta e a hipertensão, que dificultam a passagem de oxigénio para o bebé.
4.- Peso ao nascimento
Quando comparadas com gravidezes naturais, as gravidezes pós-PMA foram associadas a alterações do peso ao nascimento.
Quanto à técnica utilizada, existe uma associação entre o baixo peso ao nascimento e recém-nascidos leves para a idade gestacional com a transferência a fresco com estimulação ovárica prévia. A TEC, realizada com ciclos naturais ou com estimulação mínima, pelo contrário, foi exclusivamente associada a recém-nascidos grandes para a idade gestacional.
Recuperação de crescimento infantil
Apesar do crescimento prejudicado durante a gravidez, este parece ser recuperado até ao início da adolescência, apesar de não se saber o momento exato desta recuperação. Em contraste, a altura a longo prazo não foi afetada.
As diferenças de crescimento do bebé e da criança não são totalmente compreendidas.
5.- Mortalidade perinatal
A PMA pode estar associada a uma diminuição do risco de mortalidade antes das 28 semanas de gestação, o que pode ser explicado pela vigilância mais reforçada nestas gravidezes.
O risco de parto de um bebé morto parece aumentar até quatro vezes quando comparado com gravidezes espontâneas devido, em parte, a gravidezes múltiplas, baixo peso ao nascimento e outras complicações obstétricas. No entanto, não se sabe se o aumento do risco se relaciona com o tratamento ou com a própria infertilidade do casal.
Quanto à mortalidade no primeiro mês de vida, não parece estar afetada.
Longo prazo:
Com início em 1978, os indivíduos mais velhos nascidos por PMA têm cerca de 40 anos atualmente. Portanto, os efeitos a longo prazo ainda são pouco conhecidos, tanto pelo diagnóstico em uma fase da vida mais tardia, como pela complexidade do tratamento e acompanhamento.
6.- Alterações neurológicas
6.1. Paralisia cerebral
A paralisia cerebral é um problema neurológico permanente caracterizado pela incapacidade de coordenar o sistema nervoso e os músculos com os movimentos do corpo, causada por danos ou malformações de partes do cérebro responsáveis por estas acções.
Os fatores de risco para a paralisia cerebral podem ser agressões durante a gravidez (com malformações do cérebro) ou após o parto (parto prematuro com consequente dificuldade respiratória causada pela imaturidade dos pulmões e o baixo peso ao nascimento).
Este risco diminuiu ao longo do tempo devido à redução das taxas de gravidez múltipla.
6.2. Desenvolvimento intelectual e perturbação do espetro do autismo
O risco de défice intelectual e perturbação do espectro do autismo parece ser aumentado em crianças pós-ICSI, quando comparados com crianças pós-FIV convencional.
A perturbação do espectro do autismo também tem sido associada a alterações genéticas.
Embora a incidência do autismo, do transtorno do défice de atenção e hiperactividade e do recurso à PMA tenham aumentado simultaneamente ao longo dos anos, não é clara a sua associação.
Tal como com outros desfechos, os fatores de risco incluem a idade materna e paterna avançadas, a qualidade do esperma, a infertilidade materna e a toma de progesterona durante um período específico do desenvolvimento do bebé (mais relacionada com o autismo).
Os desfechos são globalmente tranquilizadores, persistindo um pequeno risco para subgrupos específicos, como gravidezes por ICSI ou TEC.
7.- Doenças metabólicas e cardiovasculares
Os possíveis problemas identificados em crianças nascidas após PMA incluem a diabetes, a pressão arterial elevada e a obesidade, embora esta associação seja, ainda, pouco clarificada.
O crescimento prejudicado durante a gravidez e a recuperação rápida após o nascimento podem estar relacionados com o risco tardio destas doenças.
Relativamente ao risco de diabetes mellitus tipo 1, crianças nascidas após TEC podem suscitar algumas preocupações.
8.- Doenças oncológicas
O risco de cancro pode dever-se à técnica de reprodução e/ou à presença de malformações congénitas.
Os resultados são controversos, com possibilidade de um ligeiro aumento do risco para tumores de vários órgãos, embrionários (durante a formação do bebé) e sanguíneos (leucemia). Contudo, não se verifica o aumento do risco geral de doença, com a exceção do risco superior encontrado nas gravidezes por TEC, preocupante particularmente na estratégia de “freeze-all” (congelamento de todas as células/embriões após a estimulação dos ovários).
9.- Potencial reprodutivo
A infertilidade em crianças concebidas por PMA não parece ser superior à da população geral. A exceção, embora ainda questionável, poderá ser a descendência de pais com contagens muito baixas de espermatozoides, que recorrem à ICSI.
10.- Saúde mental
A PMA não parece ter um impacto negativo na saúde mental dos descendentes, com ausência de risco aumentado para depressão, ansiedade ou comportamento suicida.
Tabela 1 - Resumo dos efeitos da PMA na descendência
COMPLICAÇÕES | RISCO | FORÇA DA EVIDÊNCIA |
Alterações genéticas | Aumento do risco | Limitada |
Anomalias congénitas | Aumento do risco | Limitada |
Parto prematuro | Aumento do risco | Limitada |
Alterações do peso ao nascimento | Aumento do risco | Limitada |
Recuperação de crescimento infantil na primeira infância | Controversa | |
Mortalidade antes/ao nascimento | Ausência de risco | Limitada |
Longo prazo | ||
Alterações do sistema nervoso | Ausência de risco | Limitada |
- Exceção: ICSI e TEC | ||
Doenças metabólicas e cardiovasculares | Aumento do risco | Controversa |
Cancro | Ausência de risco | Coerente |
- Exceção: gestações por TEC | ||
Reprodução | Ausência de risco | Limitada |
- Exceção: descendentes de pais sob ICSI | ||
Saúde mental | Ausência de risco | Coerente |
Prevenção / Recomendações
Embora a PMA seja considerada segura, alguns resultados desfavoráveis podem ocorrer mais frequentemente em comparação com gravidezes naturais.
Os resultados são geralmente tranquilizadores e a grande maioria das crianças é saudável.
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