Rastreio do cancro do colo do útero: auto-colheita do teste HPV
Introdução
O cancro do colo do útero (CCU) é o 4º cancro mais comum e mortal na mulher - é responsável por 1 morte a cada 2 minutos. Com o conhecimento atual, assume-se que todos os casos de cancro resultam de uma infeção persistente pelo vírus do papiloma humano (HPV), um vírus sexualmente transmissível.
Estima-se que 80% das pessoas sexualmente ativas já contactaram com o HPV. A adesão ao rastreio do CCU ainda é inferior ao desejado. A auto-colheita do teste de HPV surge como uma alternativa facilitadora da participação no rastreio, principalmente nas populações com barreiras no acesso aos cuidados de saúde.
O que fazer
O HPV é a principal causa do CCU, sendo responsável por quase todos os casos. O tempo de evolução desde a infeção inicial até ao surgimento de cancro geralmente é superior a 10 anos, o que confere uma janela temporal alargada para o rastreio e detecção precoce.
O teste de pesquisa de HPV de alto risco tem superioridade demonstrada em comparação com a citologia cérvico-vaginal ou teste de Papanicolau. A pesquisa de HPV (com eventual citologia reflexa, se HPV positivo) é a estratégia primária recomendada para rastreio do CCU em mulheres com ≥30 anos.
Antes dos 30 anos, o teste de rastreio recomendado é a citologia cérvico-vaginal. Não está preconizada a pesquisa de HPV por rotina nesta faixa etária porque é frequente haver positividade para o vírus mas sem resultar em lesão (ou mesmo que haja lesão, acaba por regredir espontaneamente).
Tipicamente, a colheita do teste de HPV é realizada pelo médico durante o exame pélvico, com auxílio de espéculo, em consultório.
Existem algumas barreiras à participação no rastreio convencional, nomeadamente a relutância/medo/desconforto da mulher em ser submetida à observação com espéculo, inconveniência em termos de horários ou deslocações às instituições de saúde, ausência de médico assistente, sentimentos de vergonha, crenças culturais ou religiosas, história de trauma sexual ou até por desconhecimento em relação à importância dos rastreios. Além disso, apesar dos esforços para implementar programas organizados de rastreio do CCU, apenas cerca de metade das mulheres elegíveis é convocada para rastreio.
Estas barreiras naturalmente condicionam uma diminuição da adesão ao rastreio.
Sabe-se que a maioria dos cancros do colo do útero são diagnosticados em mulheres que nunca fizeram ou que têm falhas na realização do rastreio, pelo que é essencial encorajar as mulheres a participarem.
Na última década foram desenvolvidos testes para que esta colheita possa ser realizada pela própria mulher, em sua casa – a chamada “auto-colheita” do teste de HPV – com o objetivo de aumentar a participação no rastreio.
O kit de colheita inclui os dispositivos médicos necessários para colher células do canal cervico-vaginal para posterior pesquisa do HPV, que podem ter a forma de escovas, cotonetes, dispositivos semelhantes a tampões ou lavagens vaginais. O cotonete é o método mais aceite pelas mulheres. A colheita de urina também é uma alternativa, embora pareça ter uma precisão ligeiramente inferior às amostras vaginais.
Tratamento
Imagem 1 – Método de auto-colheita do teste de HPV (imagens exemplificativas, sendo que cada kit tem instruções próprias que devem ser seguidas). Fonte: https://www.health.gov.au/self-collection-for-the-cervical-screening-test
A auto-colheita pode ser realizada em casa ou em consultório médico. O kit de auto-colheita pode ser requisitado e recolhido nas comunidades, pode ser encomendado pelas próprias mulheres através da internet ou enviado diretamente por correio (sem necessidade de requisição prévia). É disponibilizado um folheto informativo, com instruções de colheita e uma explicação sobre o significado de um teste positivo e respetivas orientações – nesse caso, as mulheres devem dirigir-se ao médico para encaminhamento (pode haver necessidade de realizar citologia cervical, colposcopia ou outros exames).
A auto-colheita do teste de HPV é um método efetivo na detecção do cancro cervical. Os estudos mostram uma sensibilidade semelhante entre as amostras colhidas pelas próprias mulheres e as colhidas pelos médicos.
A Organização Mundial de Saúde recomenda fortemente a utilização da auto-colheita como uma estratégia de rastreio adicional para atingir o controlo do Cancro Cervical até 2030.
Em alguns países, a auto-colheita já faz parte dos programas de rastreio organizado. Em Portugal, a possibilidade de introdução da auto-colheita como método primário de rastreio ainda necessita de uma avaliação mais minuciosa, no entanto existem kits disponíveis online, para compra por iniciativa das próprias mulheres.
A auto-colheita oferece uma maior conveniência, flexibilidade, rapidez e privacidade, com menor dor, desconforto, ansiedade e embaraço, ao evitar o exame pélvico pelo médico. Estas vantagens levam a um aumento da taxa de participação no rastreio do CCU, principalmente em países de baixo e médio rendimento.
A maioria das mulheres considera este método de rastreio aceitável e prefere a auto-colheita em vez do rastreio tradicional, mas ainda assim algumas preferem a colheita pelo médico.
O ceticismo em relação à auto-colheita relaciona-se com dúvidas sobre a própria capacidade de realizar corretamente a colheita, ou seja, o receio de obter uma amostra insuficiente ou pouco adequada, que possa comprometer a capacidade diagnóstica do teste. Esta insegurança é a principal razão referida para justificar a preferência pela colheita de amostras pelos médicos.
Outras desvantagens reportadas incluem desconforto/medo de se magoarem na colheita e pudor da mulher em tocar em si própria. Além disso, a redução do número de consultas diminui o contacto entre as doentes e os clínicos, impossibilitando avaliações médicas, cuidados de saúde adicionais e esclarecimentos que poderiam ser benéficos. Podem ainda surgir custos acrescidos, se as mulheres que realizaram auto-colheita não tiverem confiança no resultado e recorrerem aos serviços de saúde para repetir o teste. Além disso, pode haver um desvio de participantes do rastreio tradicional (efetuado pelo clínico) para a auto-colheita. Não é de todo esse o objectivo desde método de colheita e esta tendência poderá mesmo diminuir a eficácia geral do programa de rastreio do CCU. A auto-colheita pretende ser uma alternativa para as mulheres que faltam ao rastreio e não para aquelas que já o realizam regularmente no médico.
Em Portugal estão a decorrer estudos em certas áreas-piloto. Num projeto na região Centro, entre 687 mulheres elegíveis, 307 (44,7%) aceitarem participar no estudo, tendo recebido o kit de auto-colheita em casa, e 198 (28,8%) enviaram amostras para análise. Destas, 12 mulheres tiveram teste de HPV de alto risco positivo e foram identificadas lesões cervicais em 6 delas. Efetivamente a auto-colheita tem o potencial de alargar o rastreio a populações com mais barreiras ao acesso aos cuidados de saúde.
Apesar de esta ser uma opção promissora, não devem ser esquecidos princípios fundamentais, como a necessidade de continuar a apostar na educação sobre a saúde sexual/reprodutiva, o HPV, a vacinação e os rastreios.
Evolução / Prognóstico
Ao proporcionar uma alternativa de rastreio, a auto-colheita pode reduzir as disparidades no acesso à saúde entre as mulheres. Esta estratégia tem sido implementada com sucesso em alguns países e permite englobar no rastreio do CCU as mulheres sem acesso ou que falham o rastreio convencional.
São necessários mais estudos para adotar a auto-colheita como forma primária de rastreio em Portugal, embora alguns projetos nacionais já tenham demonstrado os benefícios da sua implementação.
Prevenção / Recomendações
O cancro do colo do útero é responsável pela morte de 300.000 mulheres por ano. É essencial que as mulheres saibam que este é um cancro evitável.
A participação no rastreio do cancro do colo do útero permite detectar alterações precocemente e salvar vidas.
Saber Mais
- Teste de Papanicolau versus pesquisa de HPV.
- HPV persistente
- Lesões de baixo grau causadas por HPV - tratamento conservador
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