Tratamento preservador da fertilidade no cancro ginecológico
Introdução
Os cancros ginecológicos incluem aqueles que afetam a vulva, a vagina, o colo do útero, o endométrio (revestimento interno do útero), as trompas de falópio e os ovários. Embora mais frequentes na pós-menopausa, a sua incidência em mulheres em idade reprodutiva está a aumentar.
O tratamento habitual envolve a remoção do útero, ovários e trompas de falópio, resultando em infertilidade. Recentemente, foram desenvolvidos tratamentos que preservam a fertilidade, sem comprometer o prognóstico da doença oncológica.
Frequência
Em 2022 foram diagnosticados 418 mil cancros ginecológicos na idade reprodutiva a nível mundial.
Selecção de doentes
As doentes com cancro ginecológico que desejam engravidar devem ser encaminhadas para centros especializados. Nesses centros, as doentes serão avaliadas por uma equipa multidisciplinar que irá determinar a possibilidade de realizar, ou não, um tratamento preservador da fertilidade e decidirá sobre o melhor tratamento.
De um modo geral, serão selecionadas para tratamentos preservadores da fertilidade as doentes que desejam engravidar, não apresentem contraindicação para a gravidez, e que tenham cancro ginecológico em estádios iniciais e com subtipos histológicos (isto é, “tipos de células”) com comportamento menos agressivo.
As doentes selecionadas para estes tratamentos devem ser informadas sobre os risco de recidiva do cancro, riscos durante a gravidez e da necessidade de seguirem um plano rigoroso de acompanhamento médico.
Tratamento
Cancro do colo do útero
O tratamento preservador da fertilidade no cancro do colo do útero tem como objetivo a remoção parcial ou completa do colo do útero, com preservação do corpo do útero. Dependendo do estádio do tumor, podem ser realizados vários procedimentos:
- Conização: remoção da parte terminal do colo, em forma de cone
- Traquelectomia simples: remoção do colo do útero
- Traquelectomia radical: remoção do colo do útero, parte superior da vagina e tecidos circundantes
Durante a traquelectomia simples ou radical é colocada uma cerclage permanente, isto é, são realizados pontos no colo do útero para mantê-lo fechado e proporcionar suporte extra durante a gravidez, ajudando a prevenir partos prematuros.
Pode ainda haver a necessidade de remoção de gânglios linfáticos, dependendo do estádio do tumor.
Cancro do endométrio
O tratamento preservador da fertilidade mais eficaz inclui, numa primeira fase, a remoção do tumor por histeroscopia. A histeroscopia é um exame médico que pode ser realizado com ou sem anestesia geral. Durante o procedimento, utiliza-se um instrumento chamado histeroscópio, composto por um tubo fino e iluminado com uma câmara na extremidade. Este é inserido pela vagina até ao interior do útero, permitindo a observação do interior do útero para identificar alterações (ex: pólipos) e a realização de procedimentos como biópsias, remoção de pólipos e de tumores em fases iniciais.
Após a remoção do tumor por histeroscopia, é recomendado o tratamento com progestativos (hormonas sintéticas que imitam a ação da progesterona, uma hormona natural produzida pelos ovários). Os progestativos podem ser dados por via oral e/ou sob a forma de um dispositivo intrauterino.
No geral, recomenda-se um tratamento durante 6 a 12 meses, ao fim do qual deve ser alcançada uma resposta completa.
Tumores do ovário
A cirurgia conservadora nos tumores do ovário em geral consiste na remoção do ovário afectado, preservando o útero e o ovário contralateral. É ainda realizado um estadiamento cirúrgico, com o objetivo de determinar o estádio do tumor. O estadiamento cirúrgico usualmente compreende a colheita de líquido do abdómen, realização de uma omentectomia (remoção de uma camada de gordura que cobre os intestinos) e realização de várias biópsias do peritoneu (camada que reveste a parede abdominal e pélvica). Dependendo do tipo histológico (“tipo de células do tumor”) pode ainda haver necessidade de remoção do apêndice e de gânglios linfáticos.
Em alguns casos pode ser ainda necessário a realização de quimioterapia após a cirurgia, dependendo do tipo histológico e do estádio do tumor.
Evolução / Prognóstico
Quando engravidar?
Cancro do colo do útero
O tempo até à gravidez deve ser individualizado tendo em conta a presença de factores de risco para recidiva, como o estádio do tumor, “o tipo de células” e o tipo de cirurgia.
No geral recomenda-se aguardar pelo menos 6 meses, e preferencialmente 12 meses, antes de tentar uma gravidez.
Cancro do endométrio
Após resposta completa, é desejável que a gravidez ocorra o mais precocemente possível, incluindo logo no mês seguinte.
Tumores do ovário
Dependendo da histologia do tumor, pode ser recomendado aguardar 6 a 24 meses para tentar uma gravidez.
Doentes submetidas a quimioterapia devem aguardar pelo menos um ano para engravidar.
EVOLUÇÃO/ PROGNÓSTICO
A taxas de recidiva e de nados vivos são difíceis de estimar porque os estudos incluem populações e tratamentos muito heterogéneos. No Quadro I apresenta-se uma estimativa das taxas de recidiva e de nados-vivos, após tratamento preservador da fertilidade, por tipo de tumor.
Quadro I: Recidiva e taxa de nados vivos após tratamento preservador da fertilidade, por tipo de tumor
Recidiva (%) | Nados-vivos (%) | |
Cancro do colo do útero | 4-5% | 68-76% (33-38% prematuros) |
Cancro do endométrio | 19-35% | 23-31% |
Tumor borderline do ovário (1) | 13-30% (recidiva “não maligna”); 2% (recidiva “maligna”) | 86-95% |
Tumor maligno do ovário | 3-15% (dependendo do “tipo de células”) | 78-96% |
(1) 1 Um tumor borderline do ovário é um tipo de tumor do ovário intermédio entre um tumor benigno e um maligno, com bom prognóstico, mas com potencial para recidivar sob a forma “maligna”.
Cancro do colo do útero
Após tratamento preservador da fertilidade, o seguimento médico inclui a realização de citologia (o conhecido “ teste de Papanicolau”) e/ou pesquisa do vírus do HPV (teste realizado da mesma forma que a citologia do colo, mas no laboratório é feita a pesquisa deste vírus) com periodicidade variável, dependendo do tipo de teste realizado.
Após conclusão do projecto reprodutivo, a remoção do útero de rotina não é obrigatória, mas pode ser considerada caso a caso.
Cancro do endométrio
Após tratamento preservador da fertilidade, é importante um seguimento apertado, que deve incluir um exame clínico e ecografia pélvica a cada 3 meses e biópsias do endométrio por histeroscopia a cada 3-6 meses até à gravidez.
Após conclusão do projecto reprodutivo, é encorajado um tratamento definitivo, pelo risco de recidivas a longo prazo. Esse tratamento consiste na remoção do útero, que poderá também incluir a remoção dos ovários e trompas de falópio. A cirurgia definitiva também poderá ser recomendada na ausência de resposta ao tratamento conservador, ausência de sucesso em obter uma gravidez, e em casos de recidiva ou progressão da doença.
Tumores do ovário
Após tratamento preservador da fertilidade nos tumores do ovário, de um modo geral, a vigilância passará pela realização de um exame clínico, ecografia pélvica e análises ao sangue, com pesquisa de marcadores tumorais, a cada 3 a 6 meses num período inicial, e depois anualmente.
Dependendo do tipo de células do tumor e perante os resultados das análises e da avaliação clínica, poderá haver a necessidade de realização de exames radiológicos adicionais (ex.: ressonância magnética pélvica ou TAC tóraco-abdomino-pélvica).
Após conclusão do projecto reprodutivo, a necessidade de completar a cirurgia (remoção do ovário e trompa contralateral) deve ser avaliada caso a caso.
Prevenção / Recomendações
Cancro do colo do útero
Após traquelectomia simples ou radical, a gravidez é de alto risco. Recomenda-se suplementação com progesterona na gravidez e o parto deverá ocorrer por cesariana.
Cancro do endométrio
Após tratamento conservador é recomendada a perda de peso (em caso de excesso de peso e obesidade), ou a manutenção de um peso saudável, para aumentar a probabilidade de gravidez.
Tumores do ovário
Deve ser considerada a criopreservação de oócitos para doentes que serão submetidas a quimioterapia.
Mulheres com alterações genéticas que aumentam o risco de cancro do ovário devem ter uma consulta de genética para avaliar formas de prevenir a transmisão desse risco à sua descendência.
Ecografia transvaginal e abdominal para avaliação do outro ovário deve ser realizada no início do 1º e 2º trimestres da gravidez.
Saber Mais
Cancro do colo do útero;
Cancro do endométrio;
Tumores borderline do ovário.
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